VERSO & SOM: ENTREVISTA
- Rodrigo de Siqueira
- 28 de set.
- 5 min de leitura
Rodrigo Siqueira: O Poeta da Melancolia Encontra a Luz em "Trilhas"
Após 15 anos de silêncio composicional, o artista carioca de alma baiana retorna com um álbum que é um mapa emocional entre a dor, a esperança e as raízes brasileiras. Uma conversa franca sobre um trabalho que é trilha sonora para a vida.
Por Helena Janssens
Após um hiato de quase quinze anos sem compor, Rodrigo Siqueira emerge em 2024 com "Trilhas para a Melancolia", um álbum que, como o próprio título sugere, não é apenas uma coleção de canções, mas um mergulho profundo nas veredas da alma humana. Lançado nas principais plataformas de streaming, o trabalho do artista, nascido em Salvador e radicado no Rio de Janeiro, é um convite à introspecção, à superação e à celebração de suas múltiplas identidades. Em um bate-papo exclusivo com a Verso & Som, Siqueira desvenda os véus de sua criação.

Uma Melancolia que Encontra a Luz
O título do álbum, "Trilhas para a Melancolia", imediatamente evoca um universo de paisagens internas. Rodrigo Siqueira explica que a "trilha" aqui não é um caminho, mas uma "trilha sonora", um eco do verso de "Tudo Bem" – "choro sem ombro, sem trilha para a melancolia". Essa canção foi o catalisador de todo o projeto, nascida em 2021 após um longo período de luto, pandemia e questões pessoais. "Foi um marco para o fim de um luto", revela, mostrando que a melancolia no álbum é mais um ponto de partida do que um destino.
A profissão de jornalista e a vivência em grandes cidades (Salvador e Rio) parecem permear a forma como Siqueira observa e traduz suas emoções. Suas letras são diretas, mas profundamente poéticas, com a clareza de um repórter que sabe comunicar a complexidade sem rebuscamento excessivo. A dualidade entre o concreto e o abstrato, entre o que se mostra e o que se oculta, é uma constante, como na metáfora do "Teatro de Sombras", onde memórias vadias e verdades disfarçadas em entrelinhas ganham vida.
O Processo Criativo e a Parceria Essencial
Rodrigo Siqueira não se prende a fórmulas. Seu processo de composição é orgânico: "Às vezes nasce de uma brincadeira com um instrumento; outras, faço tudo junto — arranjo, letra, gravação", conta. Curiosamente, seu "olhar de fotógrafo e film maker influencia muito". Ele descreve como "fecho os olhos, imagino cenas, paisagens, e crio melodias como se fossem trilhas sonoras para esses filmes que vejo na cabeça". Essa sinestesia entre imagem e som é palpável nas letras, que constroem cenários ricos e evocativos.
A parceria com o produtor Sidney Sohn Jr. é destacada como um "achado". Siqueira elogia a paciência e a sintonia de Sohn, que soube "entender o que eu buscava" e aprimorar o trabalho sem tensões. "Parecia uma parceria de longa data — e acho que vai continuar sendo", afirma Rodrigo. Essa colaboração orgânica resultou em um álbum que soa coeso e bem-acabado, onde os arranjos de baixo, teclados, violões e guitarras (com Eddy Helderson) servem de base sólida para a voz e as letras de Rodrigo.
Das Lágrimas de "Tudo Bem" ao Hino de "Girassóis"
A decisão de abrir o disco com "Tudo Bem" é emblemática. Não só foi a música que deu o pontapé inicial no projeto, mas também encapsula a honestidade emocional do álbum. Rodrigo confessa ter chorado "horrores" ao gravar a demo em seu home studio. Essa vulnerabilidade, que lembra a autenticidade de Renato Russo em suas exposições mais íntimas, estabelece um pacto de cumplicidade com o ouvinte, que é convidado a sentir junto.
No contraponto à dor, surge "Girassóis", um hino de esperança nascido de um momento de "recolhimento e espiritualidade". A letra, pensada "no formato de oração", prega a persistência do bem e da verdade, "não importa a consequência". "Será primavera / Ainda que neguem as flores e cubram de sangue o chão / Venha a luz, não as trevas / Venham os girassóis" é um verso que eleva o álbum a um patamar de resistência, conectando-se a artistas como Vitor Ramil, que também exploram a beleza e a resiliência em paisagens melancólicas.
Raízes e um Toque de Humor
A origem baiana de Siqueira e sua vivência nordestina (ainda que familiar, em Pernambuco) afloram em faixas como "A Vitória de Santo Antão" e "O Violeiro e a Mãe D’Água". A primeira é um tributo emocionante e multifacetado à cidade dos seus antepassados, uma "ópera-baião" que mistura tradição, fé e história, com a participação de filhos e irmã nos vocais. É um resgate das raízes que evoca a tradição de grandes nomes como Alceu Valença e Geraldo Azevedo, que celebram o regional com maestria."O Violeiro e a Mãe D’Água", por sua vez, transforma uma narrativa urbana de desilusão em uma lenda folclórica com a Iara, a Mãe D'água, inspirada em mestres como Almir Sater.
E para quebrar a melancolia, o álbum revela um lado mais leve em "Um Rock Brega Pra Você Me Notar". Composta em 2005, a canção permite a Siqueira "rir de si mesmo", abraçando o "cafona, exagerado, ridículo" de um amor juvenil. "Hoje vejo aquilo com humor. É cafona, exagerado, ridículo — e é justamente por isso que funciona", ele pontua, mostrando que a maturidade trouxe uma nova perspectiva sobre a paixão. Essa autoironia é um tempero que humaniza e equilibra o tom geral do álbum, tornando a "solidão" algo "chique" aos quarenta anos.
Um Artista Além dos Gêneros
Embora o rock seja sua "escola", Rodrigo Siqueira se define como um artista que não se prende a ele. "Dependendo do momento, posso sacar uma bossa, um samba, ou qualquer outro estilo. Mas, no geral, sai rock. Simples assim". Essa liberdade criativa é evidente na diversidade musical de "Trilhas para a Melancolia.
Ao final, Rodrigo Siqueira se reconhece como um "ser com fortes tendências à melancolia", confessando com um sorriso que "às vezes, eu mesmo não me suporto". Mas é justamente essa profundidade que o torna um artista tão autêntico e relevante. Com a experiência de vida e o talento para traduzir o complexo em poesia, Rodrigo Siqueira entrega em "Trilhas para a Melancolia" um álbum que é mais do que uma coleção de canções; é um espelho para as nossas próprias jornadas emocionais, uma trilha sonora para as inevitáveis idas e vindas da alma humana.
Com planos de levar o álbum para os palcos e a intenção de manter o formato álbum em seus próximos trabalhos – "Essa coisa de pingar singles toda hora não me fala ao coração. Acho que álbuns são melhores, dão tempo de descanso tanto para o artista quanto para o público. Ninguém gosta de superexposição de ninguém. É brochante" –, Rodrigo Siqueira reafirma seu compromisso com a arte de forma mais pausada e significativa. Que venham mais trilhas para nos guiar.
Nota – Verso & Som é um projeto da jornalista Helena Janssens em formato de revista digital. A entrevista foi realizada em agosto de 2024, por ocasião do lançamento do álbum Trilhas para a Melancolia.


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